sábado, 2 de outubro de 2010

Um excerto para falar do Manual de Redação da Folha de S. Paulo

Muito tempo atrás, quando estava na faculdade, fui obrigado (pelo professor Dirceu Fernandes Lopes, graças a Deus) a ler "Ilusões Perdidas", de Balzac. O livro conta a história de Luciano Chardon, vindo de uma cidadezinha minúscula, com um ego gigantesco, sendo engolido pela cidade grande (no caso dele, Paris).

Nesta obra magistral, Balzac desfia sua crítica à sociedade francesa, cria personagens memoráveis e faz um banquete, onde um editor saca o seguinte excerto:

"O Jornal, em vez de ser um sacerdócio, tornou-se um meio para os partidos, e de um meio passou a ser um negócio. Não tem nem fé nem lei. Todo jornal é uma loja onde se vendem ao público palavras da cor que deseja. Se houvesse um jornal dos corcundas, haveria de provar noite e dia a beleza, a liberdade, a necessidade das corcundas. Um jornal não é feito para esclarecer, mas para lisonjear opiniões. Desse modo, todos os jornais são covardes, hipócritas, infames, mentirosos, assassinos. Matamos as idéias, os sistemas, os homens, e, por isso mesmo, hão de tornar-se florescentes. Teremos a vantagem de todos os seres pensantes: o mal será feito sem que ninguém seja culpado. Seremos todos inocentes, poderemos lavar-nos as mãos de todas as infâmias, afinal, os crimes coletivos não comprometem ninguém. O jornal pode-se permitir a atitude mais atroz. Ninguém se julga culpado por isso."

Forte, mas atual, esta frase ecoa ainda hoje nas redações do mundo todo. O que era para ser sacerdócio, a "razão de viver", não é mais que um negócio, que precisa ser entendido como tal.  Servmos a um fim e, enquanto imprensa, nossos conceitos foram corrompidos, nossas bases abaladas, um novo mundo surge diante de nós.

Porém, ainda existem lugares onde conceitos como este são combatidos. Não se trata da inocência de achar que o jornalismo é mercado pela isenção, mas não podemos aceitar uma corrupção sistêmica em todos os meios de comunicação. As grandes mídias ainda lutam para conseguir um pouco de isenção, ainda que seja marcada pela necessidade de anúncios, o que faz com que os interesses comerciais e financeiros estejam à frente dos interesses políticos. Ainda que hajam interesses, eles lutam para mante-los sob controle.

Comprei o Manual de Redação da Folha de S. Paulo e, no primeiro capítulo, o Projeto Folha me mostra que quer ser diferente de tudo o que aquele personagem falou. Vejo um jornal lutando para ser independente, sabendo das amarras que o aprisionam, que os interesses deste mundo novo que emerge da queda do Muro de Berlim são muito mais difíceis de se identificar. Não trabalhamos mais com arquétipos, mas com tons e mais tons de cinza em um mundo onde "bem" e "mal" são conceitos vagos, como "céu" e "inferno".

Deste capítulo, destaco o seguinte pensamento:

"Conceito sempre difuso, a opinião pública ganha unidade com a convergência geral de idéias, mas se dispersa numa segmentação de interesses que desafia a linguagem em comum. O jornalismo reflete fraturas e deslocamentos que ainda estão por mapear e se defronta com dilemas capazes de pôr seus pressupostos em questão: o que informar, para quem e para quê?"

Sim, um paradoxo bastante ferino este. Um paradoxo com o qual todos os veículos de comunicação precisam lidar. Que interesses estão envolvidos no mundo globalizado que enfrentamos? Esta é uma discussão mais longa que o jantar descrito por Balzac.

Além da discussão filosófica, o Manual nos apresenta regras básicas sobre o trabalho de escrever, editar e publicar um texto. Os anexos são guias práticos e fáceis de entender (minhas eternas dúvidas sobre os "porques" foram, enfim, dirimidas, graças a Deus) e no guia de procedimentos explica como tem que agir o funcionário da Folha de S. Paulo em qualquer situação.

Uma leitura para quem quer mais do que um simples "como escrever bem", uma visão dinâmica do jornalismo e um olhar acurado para dentro da redação do maior jornal do Brasil.

Sim, fui profundamente partidário agora. E se eles tivessem corcundas eu as acharia até bonitinhas, sabe?

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