domingo, 3 de outubro de 2010

Um conto de eleições

Luiz era um homem simples, mas conhecedor das leis brasileiras, um eleitor nato. Porém, neste ano, estava desanimado, triste, sentia-se realmente consternado pelas eleições atuais. Não via seus valores refletidos em nenhum dos candidatos que via na TV.


Chegando em casa, deu um beijo em sua esposa e subiu para tomar um banho. Na escadaria, sentado no cantinho, encolhido, estava o espírito do seu antigo amigo Inácio, outro dileto eleitor. Desdentado, vestia a camisa de um velho candidato a deputado, o boné de um senador e um bottom de presidente do Silvio Santos.

_ Inácio! O que está fazendo aqui?

_ Luiz, eu vim te alertar que esta noite você receberá três visitas importantes. Os espíritos das eleições virão ver você.

Luiz ficou um tanto incrédulo. Certamente que estes espíritos, já estando nos seus respectivos cargos, deveriam mandar apenas representantes que falariam por eles, já se fossem candidatos...

_ Mas terei que votar neles?

_ Não. Eles querem que você não vote em branco nem anule seu voto.

Luiz ficou calado, olhando para o espírito do amigo.

_ Mas e você? O que anda fazendo no céu?

_ Céu? Eu não estou no céu. Sou cabo eleitoral do Antonio Carlos Magalhães, preciso captar votos para ele no inferno. Só vim te avisar aqui porque tive uma folguinha. Se cuida, Luiz, vota certo, hein?

E sumiu.

Luiz estava realmente querendo votar nulo ou branco. Os candidatos estavam tão ruinzinhos que ele não sentia vontade de nada. Não queria ver o Brasil na mão de nenhum deles.

Esquentou o chuveiro, tirou a roupa e entrou. Deixou que a água quente caísse sobre seus ombros e o vapor subisse e tomasse todo o banheiro.

Então, no meio do silêncio, um grito ecoou dentro do banheiro.

_ Meu nome é Enééééééééas!

Luiz deu um pulo para trás dentro do box e pegou uma toalha. Então, do meio do vapor do banheiro emergiu aquela pequena figura de cabeça grande, óculos grandes e barba preta até o meio do peito. Quase não se via a gravata escondida sob a espessa massa de pelos.

_ Dizem que sou o candidato mais rápido das eleições, dizem que sou o mais louco, dizem tantas coisas sobre mim.

_ E o que você diz?

Ele fez silêncio e soltou

_ Eu sou Enéééééééas!

_ E o que você faz aqui no meu banheiro?

_ Você foi uma das 4.671.457 pessoas que votaram em mim em 94, não foi?

_ Fui.

_ E por que você votou?

_ Eu não queria votar em ninguém. Você era voto de protesto.

_ E o que o Brasil melhorou com o seu protesto?

_ Nada.

_ Então, porque você vai protestar agora?

Luiz ficou pensando enquanto a fumaça cercava a grande cabeça de Enéas e o fazia sumir no meio do vapor.

Depois do banho, Luiz, pelado, no quarto, abriu a porta do armário e pegou uma roupa.

No reflexo, viu Plinio de Arruda Sampaio, magro, vestindo o velho uniforme intgralista bege e uma peruca de Zé Bonitinho.

_ Anauê!

Luiz, novamente, sentiu-se envergonhado.

_ Eu sou o espírito das eleições presentes.

_ E porque a peruca de Zé Bonitinho?

_ É que eu sou o Perigote das mulheres...

Ele falou isso puxando um grande pente vermelho do bolso de trás do uniforme caqui.

_ Plinio, eu estava pensando em votar em você.

_ E por quê?

_ Hã... não sei. Acho que é voto de protesto...

_ E o que seus votos de protesto trouxeram para você até agora?

Luiz pensou...

_ Nada.

Plinio levantou-se rápido da cama deu um giro de 360, puxou o nariz.

_ Come on here, please... vou te dar um tostão da minha voz.

Um misterioso microfone de rádio surgiu do alto do quarto enquanto Plínio cantava mal e porcamente uma música americana.

_ Agora, vou embora.

Saiu em pequenos passos pela porta do quarto enquanto Luiz vestia-se novamente e se preparava para dormir.

Avisou a esposa que estava indo dormir e subiu novamente para o quarto. Quando deitou, notou que a cama não estava vazia. Puxou o edredon e deu de cara com o Tiririca com seu indefectivel chapeuzinho e um terno armani de primeiríssima qualidade.

_ Oh, abestado! Que bom!

Luiz pulou da cama. Podia aceitar o Enéas no banho, o Plínio falando Anauê e o vendo pelado, mas o Tiririca em sua cama, de jeito nenhum.

_ Vai me dizer que você é o espírito das eleições futuras?

_ Eu sou.

_ E porque você?

_ Porque eu vou ganhar para deputado nestas eleições, abestado. E na próxima eu saio prá presid...

Luiz não o deixou terminar. Pulou sobre o candidato e esmagou seu pescoço. Podia aceitar votar com protesto novamente, mas voto de anestesia, nem morto.

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