Robert Crumb escreveu a bíblia. Ta certo... ele não escreveu a bíblia. Nem o gênesis, para ser exato. Na verdade, ele deu um rosto em quadrinhos para o gênesis, respeitando palavra por palavra do texto original.
“Peraí, João Thiago... quer dizer que o cara que é o ícone maior da contracultura dos anos 60, criador do ‘Fritz, the cat’, revolucionário por natureza pegou o texto bíblico do gênesis e o respeitou, criando uma obra da 9ª arte?”
Exatamente.
O que achei disso? Quando ouvi dizer uns anos atrás que ele estava trabalhando neste projeto, sinceramente pensei comigo: “isso não vai dar certo” (não necessariamente nestas palavras).
Ele trabalhou as mais de duzentas páginas do projeto em 4 anos, dando formas generosas a Eva, uma barba comprida e um olhar austero para Deus e cabelos longos e enrolados para Adão.
O texto foi respeitado, mas a ironia nos desenhos de Crumb é fortíssima. Não como falta de respeito, mas como uma análise pessoal do livro em que se baseou, imprimindo sua personalidade a uma história que atravessou os milênios e domina as maiores culturas monoteístas do mundo.
Obras como a de Crumb são necessárias para abrir nossos olhos para o quão superficial nossa fé pode se tornar. Discutir o valor artístico da obra é irrelevante. É um trabalho de Crumb, o que, por si só, já é um atestado de qualidade mais que suficiente. Seu valor histórico? Desnecessário. É a história mais conhecida do mundo e mesmo outras culturas, que não a judaico/cristã/muculmana a conhecem. Seu valor religioso? Crumb não é teólogo e sua visão da bíblia não tem valor como pesquisa teológica séria, por mais que ele tenha realmente pesquisado para escreve-la.
De certa forma, a visão de Deus é marcada por nossas histórias de vida, e quando não nos aproximamos dEle, geralmente, nossa própria história torna-se triste, o que nos faz acreditar que Ele é mau, ciumento e legalista, como a maioria das figuras paternas que povoam nossas mentes são.
Apesar da visão contaminada, Crumb faz um ótimo trabalho. Nada conservador, mas respeitoso. Irônico, mas demonstrando, por meio de sua ironia, a vontade de conhecer mais de Deus.
E que o desafio de Crumb seja um verdadeiro "haja luz" para o tão pálido diálogo cristão dos últimos tempos, marcado pelo conformismo e pelo conforto.
Fonte: Folha de S. Paulo, UOL, Omelete
Para ler entrevista do autor para a Folha de S. Paulo, clique aqui
A HQ será lançada nos Estados Unidos em Outubro e deve sair logo depois por aqui pela Conrad Editora. Para acessar a loja virtual da editora, clique aqui.
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